Semente de papoula: um pecado permitido

Escassez de oferta, ilegalidade, tradição, desejo proibido, mas permitido. É nesse emaranhado de contradições que vive a semente de papoula. Um tempero que em diferentes lugares do mundo causa diferentes reações: faz parte de reuniões familiares durante a Páscoa de um lado e manda gente pra cadeia em outro. Uma coisa meio “ame ou deixe”. Por que tudo isso? Sei lá! Até escrevi pra nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) na esperança de entender melhor, mas vou deixar as conclusões para cada um. Fato é que aqui no Brasil semente de papoula não é 100% proibida e nem é pecado, mas não é mais comercializada.

Eu conheci a tal papaver somniferum, na Alemanha, onde é chamada de “Mohn” (em inglês “poppy seed”). Lá são comuns os quitutes feitos com “Mohn”. Doces, salgados, ou como especiaria de decoração. Basta digitar “Mohnkuchen” (bolo de semente de papoula em alemão) no Google pra ver as fotos e perceber que não é nada ilegal. Por conta desse contato, nunca tinha parado pra pensar que uma coisa tão absurdamente comum e usada na comida do dia-a-dia alemão pudesse ser considerada ilegal no Brasil. E não é.

No Brasil a semente de papoula não é mais encontrada livremente, mas isso não quer dizer o consumo culinário seja ilegal. E, pra esclarecer isso, mandei um e-mail pra ANVISA. O site deles funciona muito bem e o serviço de atendimento foi MEGA rápido. Responderam em menos de 24 horas. Tudo bem que a resposta foi enviada em “techniquês” (uma linguagem bem técnica). Ainda assim, atendeu muito bem aos meus questionamentos.

Mohn ou simplesmente semente de papoula. Esse pacote eu ganhei de uma amiga. Bolo com isso é tradição na Alemanha!

Então, a semente de papoula é permitida no Brasil como especiaria, para uso culinário. Acontece que em 2006 foi decretada uma Resolução (RDC 350/2005) que fiscaliza produtos importados, entre eles, medicamentos, cosméticos, alimentos e tantos outros. E numa tal de “Lista E”, tem uma parte que fala especificamente sobre a papaver somniferum, como me escreveram no e-mail. Gmail – ANVISA- Resposta ao Protocolo 2011087627

Logo, não é que a sementinha seja proibida para usos culinários, mas os importadores têm que apresentar uma série de documentos o que, pelo visto, acabou limitando a importação no Brasil.

E por que a gente tem que importar isso? Por que não se produz isso no Brasil? Porque isso sim é proibido. O lance é que da planta que se tira a especiaria também se pode tirar o ópio. O narcótico é extraído da planta ainda verde (madura), enquanto que a especiaria é tirada quando a planta já está seca. Pelo que entendi, não dá pra diferenciar a finalidade da plantação, então por conta disso, o plantio é proibido em solo nacional.

Atualmente, os principais produtores são a República Tcheca e a Turquia. Mas países como Canadá, França, Hungria, Alemanha e Índia também produzem. E em vários países da Europa ocidental e oriental é comum encontrar pratos feitos com essa especiaria. Estranho, não é mesmo?! Pensar que o Brasil proíbe algo que é permitido em outros países, principalmente em alguns países considerados primeiro mundo. Mundo doidão esse nosso!

Uma sementinha seca de “semente de papoula azul” (europeias): pequenina 🙂 tem as brancas (indianas)

Mas não é só no Brasil que é proibido, não. Nos Emirados Árabes semente de papoula dá cadeia! Esteja você carregando um inocente pãozinho decorado com elas ou tenha você comido uma singela fatia de bolo. Aliás, se você for fazer algum tipo de teste de drogas, não coma nada com essas sementinhas, pois mesmo depois de um dia o seu singelo teste de urina pode dar um “falso positivo” para ópio. Fala a verdade: sinistro, né? Se tiver interesse em ler mais, indico algumas fontes que consultei (em inglês> sobre temperos, Wiki, falso positivo, aqui tmb, em português, sobre tempero e alemão: wiki).

Agora, se você já comeu alguma coisinha feita com essas inofensivas especiarias sabe que a mágica está no ato de cozinhar. Nada de dar barato em você. Isso sim é lenda. E se você estiver viajando pela Alemanha, pela Polônia ou pela Estônia, não deixe de provar um dos tantos quitutes feitos com a sementinha. E se você tem algum amigo bacana que se arrisca a trazer pra você um singelo presente, faça uma receita bem LEGAL e gostosa, que só vai deixar alguém doido, se for doido de gula. Veja os preços nos EUA, para ter uma ideia e, que sabe, até comprar!

Douradinho por cima e fofinho, mas crocante por dentro.

E como tem uma tal máxima japonesa que diz que “todo desejo é um desejo de morte”, deixo aqui, umas dicas de como usar as sementinhas de papoula pra incrementar alguns pratos e, extraordinariamente, uma receita alemã super fácil, deliciosa e claro, feita com MOHN!

Se você gosta de um toque crocante e um gostinho meio de nozes, você pode usar semente de papoula para:

• Colocar em cima de pão
• Colocar no cereal
• Usar como recheio
• Incrementar receitas de biscoitos finos
• Comer com frutas e iogurte (dica de uma amiga “É uma excelente sobremesa: Iogurte, polvilhado com sementes de papoula e um belo fio de mel”)
• Fazer muffins, cheesecake
• Ou para fazer um bolo inteiro. Quer uma receita?

Receita no utensílios – ocasião MUITO especial!

Direto do meu caderninho de receita, anotado à mão!

Napf-Mohnkuchen (ou: Bolo de “1 medida” de semente de papoula)

Utensílios:

• Copo medidor, usei como “Napf” um copo medidor americano: 180 gr
• Colher de sopa
• Batedeira
• Forma para bolo: retangular ou com furo no meio, cerca de 23 cm.

Ingredientes:

• 100 manteiga
• 1 medida de açúcar
• 2 ovos
• 1 medida de farinha de trigo
• 1 colher de sopa de fermento em pó
• 1 pitada de canela
• 1 medida de semente de papoula triturada (como se fosse uma farinha). Aqui o site da Seeberger
• 1 medida de leite
• Recheio (opcional): geléia

Preparo:

1. Bata na batedeira a manteiga com o açúcar até formar uma pasta esbranquiçada.
2. Acrescente um ovo e bata mais, depois de pelo menos 1 minuto, acrescente o segundo ovo.
3. Aos poucos vá acrescentando os ingredientes em pó: trigo, fermento, canela. De preferência, peneirados.
4. Finalmente, acrescente alternadamente a semente de papoula e o leite.
5. Despeje a massa em uma forma untada, pode ser em uma retangular ou furada no meio. Asse em forno pré-aquecido a 180 graus, por cerca de 40 minutos.
6. Se quiser rechear, depois de pronto, parta o bolo ao meio e passe uma geléia da sua preferência. Dica: geléia de frutas vermelhas cai muito bem!

Beijos apapoulados (=

Vai uma fatia?